sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Lar


"Te amei assim como água de chuva
Que vai penetrando pra dentro do mundo
Te bebi assim como poço de rua
Que eu olhava dentro mas não via o fundo"


Nilson Chaves - Flor do destino


Já posso vê-la por perto
Seus contornos, o céu azul ou encoberto
O calor que aconchega, que chama pra sala, que se faz por completo

Já sinto seu perfume pelo quarto, como o das mangueiras que dão frutas
Nos túneis verdes, nos pés descalços, nas palavras maduras
Sabe que estou chegando, que a ausência já não perdoa. Ela me escuta

Lugar de onde vim, para onde vou e que explica como chegar
Com o tempero forte, as cores vivas, atraindo-me para descansar
É luz ativa, está sempre presente, é o que posso chamar de lar

Já dá para vê-la de braços abertos, com a baía cheia, o barco a navegar
E retorno ao que sei de mim, ao que está aqui dentro, ao que me chama sem parar
Obrigado pela espera. Faço-me seu de novo. É com orgulho que volto, minha Belém do Pará.

Por Guto Seguin

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ausência azul


Menininha do meu coração
Eu só quero você a três palmos do chão
Menininha não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção


Valsa para uma menininha - Vinícius e Toquinho




Olho pro presente que ela me deu e lembro do tempo que perdi
Lembro dos momentos, da voz dela, do sentimento que fala mais alto em meu ser
Procurando reviver os “passados” e já sofrendo pelos “futuros” que ainda deixarei de ter

Seus olhos azuis são muito mais do que o mar, o ar, a esperança
São íris que, com tanta distância, de saudade invadem o meu penar
Por isso espero voltar em breve, acabar com o que me machuca, ter de volta aquele olhar

Como duas esferas azuis conseguem explicar o que sou e o que busco ser?
Na presença delas, o chão concretiza-se, o caminho aparece sem querer. Milagre!
Sigo forte não por mim, mas por ela, na certeza de que a casa está por perto. Só ela sabe.

Conto os dias, os presentes e passados, as letras que desmancham o meu coração
Quero estar lá, com ela, mergulhar no lago azul, de fala calma, de voz serena
Enquanto coloco o sorriso no rosto, discreto, tentando apagar a ausência que tornou minha alma pequena

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Companheira

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão

Adeus você – Los Hermanos





Ando sempre acompanhado. Em qualquer lugar que vou, tenho-a sempre a me dar as mãos. É complacente, companheira, nunca me abandona.

Nas tardes ensolaradas, ela me acompanha, conversa, alivia um pouco o cansaço da espera. Nos dias chuvosos e nublados, ela entende o meu isolamento, e, mesmo ao meu lado, cala-se, consente em também ficar pensativa.

No quarto, ela sempre me espera. Está sempre disposta a uma boa conversa, a uma intensa troca de olhares. Faço carícias e sinto que a recíproca é confortante, agradável. Suas mãos são leves, parecem feitas de pluma.

Porém, como toda relação, também há um desgaste, um certo cansaço natural. Por vezes, também me canso. Atiro-me porta afora e busco uma saída em outros braços. Mas não consigo deixá-la de lado, ou pelo menos não tenho conseguido. Comovo-me logo com a sua tristeza, com a falta que eu sei que está sentindo de mim. E volto.

Volto correndo. Sem estar feliz, é verdade, mas volto mesmo assim. Encontro-a cabisbaixa, pensativa, como em muitas outras vezes eu também me vi. E compreendo a sua espera, sua tristeza, sua vontade de me ver. Sento ao seu lado e começo a relatar o que fiz enquanto estava longe.

Não preciso pedir desculpas, arrepender-me, entregar flores. Apenas a compreendo e sinto que ao seu lado eu sou feliz, satisfeito talvez, ou acomodado. Derramo lágrimas internas e sinto-me de novo em casa.

Não posso negar, devo a ela muita coisa, pois muito do que sou e do que construo por esses dias passa pelo seu crítico olhar.


O nome dela? Solidão.


Por Guto Seguin

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Inquietude

"Tudo em volta parece tão quieto
Tudo em volta não parece perto
Toda volta parece o mais certo
Certo é estar perto sem estar"

Perto de Você - O Teatro Mágico




Vejo nela a paz que preciso
Já a tive, deixei passar, não atentei ao seu sorriso
E agora volto, assim, de repente, a pedir-lhe um abrigo

Pretensioso ou não, aceito sua resposta, encaro como perda ou perdão
Tentando com ela uma nova aposta, um “sim”, um “não”
E encarando de frente o que me motiva, o brilho que vem dela, um novo chão

Minhas palavras não podem machucá-la, não podem fazer disso um muro
É a única arma que tenho, que uso e “desuso”
Tentando provar que é pra ela o novo foco, o caminho da volta, seu novo turno

Guardo as palavras para um momento oportuno, quando enxergá-la por aqui, bem perto
Querendo tê-la ao meu lado, de mãos vazias, num dia incerto
E vendo nela, sem medo, a menina que, de fato, tornou-me o que sou, inquieto.

Por Guto Seguin

sábado, 24 de outubro de 2009

Como o Gigante


Uma breve explicação:

*O Gigante do qual falo, logo nos primeiros versos, é Adamastor, personagem presente no clássico "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões.

No episódio, Vasco da Gama, ao passar pelo extremo sul da África, viu-se diante do Cabo das Tormentas, uma região sob constantes tempestades. Em meio a ela, surgiu uma figura mostruosa, enorme, de cabelos grandes e dentes amarelados. Essa figura era Adamastor, um Gigante que representava todos os medos e temores dos portugueses ao passarem por aquela desconhecida região ao sul da África.

Apesar do aspecto mostruoso e de um início cheio de nervosismo, Adamastor mostrou-se um ser triste e amargo, e começou a explicar o motivo de estar vivendo ali. Foi naquele momento que todos perceberam que o Gigante foi punido apenas por ter amado alguém impossível.

Adamastor explicou que, em um belo dia, ao passar pelos mares de sempre, viu Tétis, uma bela ninfa que nadava nua em uma praia. Aquilo mexeu com o coração do Gigante que, louco de amor, resolveu conquistá-la à força, já que soube que ela não aceitaria se casar com um titã enorme e feio.

Ao ser enganado por Tétis e sua mãe, e humilhado em frente a todos, o Gigante partiu sem rumo em direção ao mar e rogou ali o seu castigo: viver eternamente naquele lugar, em meio a tempestades e à solidão.

Após a explicação, chorando, o Gigante foi embora e deixou que Vasco da Gama seguisse o seu caminho...


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Vivo só, como o Gigante dos mares
Quase rouco, louco, temeroso um pouco
Carregando, dia-a-dia, o fado dos meus pesares

O Gigante apenas queria a divina visão
Aquela que, nua, nadava em sensibilidade
E mexia, como num surto, com o gigante coração

Eu apenas procuro aquela dos meus pensamentos
Linda, terna, movida à paixão
A menina que, de vez, resolve saciar o peso dos meus remendos

A do Gigante não o quis, tratou-o com ingratidão e rancor
Bravejou, indignou-se
E não percebeu que, em meio a tantas opções, era o Gigante feio que lhe tinha amor

A minha ainda não me conhece, nem sabe do meu sofrer por ela
Anda por aí, faz planos, entristece-se
E mal sabe que, em algum canto, um solitário coração a espera


Por Guto Seguin

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Volta a mar


Cielo e oceano acqua nell'acqua
onda e nuvola acqua nell'acqua
fiato dentro il fiato io in te
quant'è passato?
Corpo e anima acqua nell'acqua
vene e lacrime acqua nell'acqua
il mio grido nel tuo grido è stato un brivido...
un vento caldo da domare
per salirci su e tornare
a riamare
aria e mare...

Claudio Baglioni in Acqua Nell'acqua



Uma onda, dessas do mar
Um broto do ar violento deste pó lacrimoso


Uma gota desta filha solar
Que bebe dos lábios do raio a luz


Esta onda desigual tão semelhante
A si mesma, nunca sequer fez indagar
Qual que na aresta do mar

Invade a onda ou será mar no ar?
De onde nasce esta doce?
E por que em tanto querer beijar
Esbarra na praia
Deixa a poça
e volta, como o pássaro canta
Aonde nunca esteve e nunca sairá

Volta mar

Por Luiz Marcos Ferreira Júnior

domingo, 18 de outubro de 2009

Devaneios


"I know someday you'll have a beautiful life, I know you'll be a star
In somebody else's sky"

Black - Pearl Jam



Bem que ela poderia ser minha
Do jeito dela, aventureira, sozinha
Faríamos do quarto o espaço pleno da rainha

Bem que ela poderia vir comigo
Encarar os medos, derrotá-los em juízo
Fazer do nosso canto um oásis destemido

Compraria flores, daria a ela num dia alheio
São, forte, mergulhado em desejo
Teria nela, a mais bela, o retrato dos meus herdeiros

Mas sozinho, comigo, perdido em devaneios
Não a tenho, não a aconselho
Confuso, espero dia-a-dia, em vão, que ela venha por inteiro


Por Guto Seguin

Morro do Grajaú



Quando eu tinha 16 ou 17 anos estava no Rio e ao olhar a noite para uma favela no bairro do Grajaú vi uma imagem que me tocou, os pontos de luz das estrelas se confundiam com os das luzes dos barracos e o negrume da floresta e do céu compunham uma única tela. Foi dai que escrevi este poema, que abaixo reproduzo.



Pequenos pontos sobre o chão
Como redomas estelares aos olhos vãos
- que em verdade nada vêem -
Se apresentam gotas em rubro solo.


Ninfa de morros ingênuos, apenas nús
As candeias ímpetas a sobreviver aos ventos
Não vejo, em suma, tento
Porque as luzes escondem verdades
Também poisadas de barro seco.

Vê-se inumeras luzes, mas não são defeitos
Por que não tocam.

E atravessando a esquiva guia
acima de nós existe vida
tratadas como esquife
ao por de um dia.


O morro guarda carne perdida
E as calçadas também.
Por Luiz Marcos Ferreira Jr.