sábado, 24 de outubro de 2009

Como o Gigante


Uma breve explicação:

*O Gigante do qual falo, logo nos primeiros versos, é Adamastor, personagem presente no clássico "Os Lusíadas", de Luís Vaz de Camões.

No episódio, Vasco da Gama, ao passar pelo extremo sul da África, viu-se diante do Cabo das Tormentas, uma região sob constantes tempestades. Em meio a ela, surgiu uma figura mostruosa, enorme, de cabelos grandes e dentes amarelados. Essa figura era Adamastor, um Gigante que representava todos os medos e temores dos portugueses ao passarem por aquela desconhecida região ao sul da África.

Apesar do aspecto mostruoso e de um início cheio de nervosismo, Adamastor mostrou-se um ser triste e amargo, e começou a explicar o motivo de estar vivendo ali. Foi naquele momento que todos perceberam que o Gigante foi punido apenas por ter amado alguém impossível.

Adamastor explicou que, em um belo dia, ao passar pelos mares de sempre, viu Tétis, uma bela ninfa que nadava nua em uma praia. Aquilo mexeu com o coração do Gigante que, louco de amor, resolveu conquistá-la à força, já que soube que ela não aceitaria se casar com um titã enorme e feio.

Ao ser enganado por Tétis e sua mãe, e humilhado em frente a todos, o Gigante partiu sem rumo em direção ao mar e rogou ali o seu castigo: viver eternamente naquele lugar, em meio a tempestades e à solidão.

Após a explicação, chorando, o Gigante foi embora e deixou que Vasco da Gama seguisse o seu caminho...


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Vivo só, como o Gigante dos mares
Quase rouco, louco, temeroso um pouco
Carregando, dia-a-dia, o fado dos meus pesares

O Gigante apenas queria a divina visão
Aquela que, nua, nadava em sensibilidade
E mexia, como num surto, com o gigante coração

Eu apenas procuro aquela dos meus pensamentos
Linda, terna, movida à paixão
A menina que, de vez, resolve saciar o peso dos meus remendos

A do Gigante não o quis, tratou-o com ingratidão e rancor
Bravejou, indignou-se
E não percebeu que, em meio a tantas opções, era o Gigante feio que lhe tinha amor

A minha ainda não me conhece, nem sabe do meu sofrer por ela
Anda por aí, faz planos, entristece-se
E mal sabe que, em algum canto, um solitário coração a espera


Por Guto Seguin

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Volta a mar


Cielo e oceano acqua nell'acqua
onda e nuvola acqua nell'acqua
fiato dentro il fiato io in te
quant'è passato?
Corpo e anima acqua nell'acqua
vene e lacrime acqua nell'acqua
il mio grido nel tuo grido è stato un brivido...
un vento caldo da domare
per salirci su e tornare
a riamare
aria e mare...

Claudio Baglioni in Acqua Nell'acqua



Uma onda, dessas do mar
Um broto do ar violento deste pó lacrimoso


Uma gota desta filha solar
Que bebe dos lábios do raio a luz


Esta onda desigual tão semelhante
A si mesma, nunca sequer fez indagar
Qual que na aresta do mar

Invade a onda ou será mar no ar?
De onde nasce esta doce?
E por que em tanto querer beijar
Esbarra na praia
Deixa a poça
e volta, como o pássaro canta
Aonde nunca esteve e nunca sairá

Volta mar

Por Luiz Marcos Ferreira Júnior

domingo, 18 de outubro de 2009

Devaneios


"I know someday you'll have a beautiful life, I know you'll be a star
In somebody else's sky"

Black - Pearl Jam



Bem que ela poderia ser minha
Do jeito dela, aventureira, sozinha
Faríamos do quarto o espaço pleno da rainha

Bem que ela poderia vir comigo
Encarar os medos, derrotá-los em juízo
Fazer do nosso canto um oásis destemido

Compraria flores, daria a ela num dia alheio
São, forte, mergulhado em desejo
Teria nela, a mais bela, o retrato dos meus herdeiros

Mas sozinho, comigo, perdido em devaneios
Não a tenho, não a aconselho
Confuso, espero dia-a-dia, em vão, que ela venha por inteiro


Por Guto Seguin

Morro do Grajaú



Quando eu tinha 16 ou 17 anos estava no Rio e ao olhar a noite para uma favela no bairro do Grajaú vi uma imagem que me tocou, os pontos de luz das estrelas se confundiam com os das luzes dos barracos e o negrume da floresta e do céu compunham uma única tela. Foi dai que escrevi este poema, que abaixo reproduzo.



Pequenos pontos sobre o chão
Como redomas estelares aos olhos vãos
- que em verdade nada vêem -
Se apresentam gotas em rubro solo.


Ninfa de morros ingênuos, apenas nús
As candeias ímpetas a sobreviver aos ventos
Não vejo, em suma, tento
Porque as luzes escondem verdades
Também poisadas de barro seco.

Vê-se inumeras luzes, mas não são defeitos
Por que não tocam.

E atravessando a esquiva guia
acima de nós existe vida
tratadas como esquife
ao por de um dia.


O morro guarda carne perdida
E as calçadas também.
Por Luiz Marcos Ferreira Jr.