terça-feira, 30 de março de 2010

Tempo

"...e avisa que eu só vou chegar no último vagão..."
Além do que se vê - Los Hermanos


Guardo as palavras que não posso dizer hoje
Deixo-as no ar, bem leves, escritas em mim
Na espera de soltá-las logo, de abrir o cofre, de ouvir outro “sim”

Não conheço os caminhos, não fiz por merecê-los, não aprendi a lição
Mas sei do que guardo, da espera que me consome, da ansiedade sem fim
E espero calado a volta dela, o brilho nos olhos, a razão de eu ser assim

Sei que corro o risco da demora, da não resposta, do tempo que não explica o porquê
E ela pode entrar na via oposta, acreditar que não a quero, decretar outro caminho
Enquanto aguardo como uma estátua, esquecendo-me de mim, deixando-me sozinho

Mas a chegada já tem data marcada, o tempo está ao lado, a espera é fértil
Aproveito, então, para passar as roupas, perfumar o quarto, deixar-me pronto
Querendo vê-la cada vez mais linda, dona do que fiz, do que guardo e do que escondo

Por Guto Seguin

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fuga

"Em ver que o vai e vem pode ser eterno
Pra ver quem manda
Acho que não vai dar...tô cansado demais
Vou ver a vida a pé"

Mais tarde - Marcelo Camelo

Arrumo minhas malas e digo-lhe: “adeus”. Até uma outra hora, um outro dia ensolarado
Levo comigo algumas palavras, a mala cheia de vontades e o rosto dela no retrato
Saio sem olhar pra trás, escondendo o aperto no meu peito e exibindo meu falso descaso

Sorrio como poucos, mostro-me contente, inquebrável em meus passos
Mas quem me vê de perto sabe que algo está faltando, que estou em pedaços
Falta um pedaço que já é dela, mesmo sem toque, sem beijos e abraços

Engulo as lágrimas e sigo em busca de mim, do pouco que não deixei com ela
Nas fotos avulsas, nas palavras casuais, nas expectativas mais belas
Deixei sempre um pedaço de mim, na esperança de fazer-me um pouco dela

Saio um pouco sem rumo, tropeço na calçada, fico imóvel por um instante
E tento entender como ela se fez tão admirável. Esteve tão perto e...tão distante
Olho pra trás e ainda a vejo de relance...linda, minha, deslumbrante

Envolvo-me em impulsos de voltar correndo, de dizer que sou dela, independente do momento
Mas alojo-me na casa ao lado, onde a mantenho por perto, escuto seus movimentos
E deixo a vida fazer a parte dela com o melhor dos remédios: o tempo.

Por Guto Seguin

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Menina desenhada


Não tem jeito. Entrego-me tão fácil aos olhares alheios
Dou-me tão intensamente àquelas que por hora vejo
Que faço do meu querer uma arma a disparar receios

Queria escrever mais, deixar claro o que sinto, envolvê-la em meus traços
Tornar do que guardo um estímulo, um ponto sem nó, meu acaso
Mas fico apenas com o que vejo, a indelicadeza voraz, seu maltrato

Contenho-me com um sabor impessoal, mascarado, sem cheiro e sem tato
E fico a lamentar as ausências, o silêncio que vem dela, seu descaso
Como seu eu fosse jóia rara, impenetrável, imbatível em meu cansaço

Abro as portas e deixo que ela venha por si só. Desisto da busca, rasgo o contrato
Transformo-a em algo que nunca terei, como meu blefe evidente, meu choro engasgado
À menina desenhada, meu desejo onírico, minha busca irreal, meu sentimento inventado

Por Guto Seguin

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Elas

"Mas deixe a lâmpada acesa
Se algum dia a tristeza quiser entrar
E uma bebida por perto
Porque você pode estar certo que vai chorar"

Regra Três - Vinícius de Moraes

Eu a espero com aquilo que sei
A imagino em tantas, faço figuras complexas, esboços completos
E dou-me de frente com ilusões minhas, com desejos impalpáveis, com olhares vazios

A beleza delas passa e marca, faz-me de bobo, arranca as palavras mais belas
Só que o meu querer é muito mais do que beleza. Ele pede uma amiga, companheira
E elas passam a desfilar suas magníficas formas, enquanto meu coração arde em fogo próprio.

Por querê-las tanto, por vezes faço papel de bobo, engano-me, esqueço-me do que já passou
E busco-as em qualquer detalhe, num sopro de esperança, em frases incompletas
Seus olhares dizem tudo, mas eu não enxergo. Elas finalizam sem ter começado, e eu inicio o jogo já sabendo da derrota.

Esse é uma pobre ode a elas, ou ao menos ao que elas representam pra mim.
Em meus sonhos, em meus universos ideais, elas reinam com imponência
E eu permaneço, como um servo, a buscá-las em qualquer olhar, em qualquer gesto que, mesmo por um instante, as faça minhas.

Por Guto Seguin

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Lar


"Te amei assim como água de chuva
Que vai penetrando pra dentro do mundo
Te bebi assim como poço de rua
Que eu olhava dentro mas não via o fundo"


Nilson Chaves - Flor do destino


Já posso vê-la por perto
Seus contornos, o céu azul ou encoberto
O calor que aconchega, que chama pra sala, que se faz por completo

Já sinto seu perfume pelo quarto, como o das mangueiras que dão frutas
Nos túneis verdes, nos pés descalços, nas palavras maduras
Sabe que estou chegando, que a ausência já não perdoa. Ela me escuta

Lugar de onde vim, para onde vou e que explica como chegar
Com o tempero forte, as cores vivas, atraindo-me para descansar
É luz ativa, está sempre presente, é o que posso chamar de lar

Já dá para vê-la de braços abertos, com a baía cheia, o barco a navegar
E retorno ao que sei de mim, ao que está aqui dentro, ao que me chama sem parar
Obrigado pela espera. Faço-me seu de novo. É com orgulho que volto, minha Belém do Pará.

Por Guto Seguin

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ausência azul


Menininha do meu coração
Eu só quero você a três palmos do chão
Menininha não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção


Valsa para uma menininha - Vinícius e Toquinho




Olho pro presente que ela me deu e lembro do tempo que perdi
Lembro dos momentos, da voz dela, do sentimento que fala mais alto em meu ser
Procurando reviver os “passados” e já sofrendo pelos “futuros” que ainda deixarei de ter

Seus olhos azuis são muito mais do que o mar, o ar, a esperança
São íris que, com tanta distância, de saudade invadem o meu penar
Por isso espero voltar em breve, acabar com o que me machuca, ter de volta aquele olhar

Como duas esferas azuis conseguem explicar o que sou e o que busco ser?
Na presença delas, o chão concretiza-se, o caminho aparece sem querer. Milagre!
Sigo forte não por mim, mas por ela, na certeza de que a casa está por perto. Só ela sabe.

Conto os dias, os presentes e passados, as letras que desmancham o meu coração
Quero estar lá, com ela, mergulhar no lago azul, de fala calma, de voz serena
Enquanto coloco o sorriso no rosto, discreto, tentando apagar a ausência que tornou minha alma pequena

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Companheira

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão

Adeus você – Los Hermanos





Ando sempre acompanhado. Em qualquer lugar que vou, tenho-a sempre a me dar as mãos. É complacente, companheira, nunca me abandona.

Nas tardes ensolaradas, ela me acompanha, conversa, alivia um pouco o cansaço da espera. Nos dias chuvosos e nublados, ela entende o meu isolamento, e, mesmo ao meu lado, cala-se, consente em também ficar pensativa.

No quarto, ela sempre me espera. Está sempre disposta a uma boa conversa, a uma intensa troca de olhares. Faço carícias e sinto que a recíproca é confortante, agradável. Suas mãos são leves, parecem feitas de pluma.

Porém, como toda relação, também há um desgaste, um certo cansaço natural. Por vezes, também me canso. Atiro-me porta afora e busco uma saída em outros braços. Mas não consigo deixá-la de lado, ou pelo menos não tenho conseguido. Comovo-me logo com a sua tristeza, com a falta que eu sei que está sentindo de mim. E volto.

Volto correndo. Sem estar feliz, é verdade, mas volto mesmo assim. Encontro-a cabisbaixa, pensativa, como em muitas outras vezes eu também me vi. E compreendo a sua espera, sua tristeza, sua vontade de me ver. Sento ao seu lado e começo a relatar o que fiz enquanto estava longe.

Não preciso pedir desculpas, arrepender-me, entregar flores. Apenas a compreendo e sinto que ao seu lado eu sou feliz, satisfeito talvez, ou acomodado. Derramo lágrimas internas e sinto-me de novo em casa.

Não posso negar, devo a ela muita coisa, pois muito do que sou e do que construo por esses dias passa pelo seu crítico olhar.


O nome dela? Solidão.


Por Guto Seguin